O dia em que eu errei feio

Estamos desenvolvendo novos produtos lá na empresa e isso implica em desenvolver novas embalagens também, além de revitalizar as embalagens que já estão no mercado. Como eu sou o único designer, logo sou eu o responsável por esse processo todo. Estou trabalhando como nunca, cada dia eles chegam com ideias novas, com cores novas e com conceitos novos. O produto que seria lançado com toda a certeza semanas atrás, já foi pro lixo e foi substituido por outro.

Uma loucura.

Eu estou adorando desenvolver esses projetos, mas desenvolvê-los implica em muitas responsabilidades, muitas tarefas e claro, mais chances de erro.

E essa semana eu errei.
Errei feio.
Errei caro.

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Antes de desenvolver uma embalagem, você precisa ter a “faca” dela, que aqui nós chamamos de “cutterguide” ou “keyline”. Essa cutterguide precisa ser transformada em um projeto para a máquina que vai produzi-la. Esse projeto, ao ser produzido, é o que chamamos de tubo (ou de “roll”).

Nossa cutterguide veio pronta de um de nossos parceiros, fiz apenas algumas pequenas mudanças e a mandei pra uma empresa na Itália, que foi responsável pelo projeto e produção do roll. Antes de produzir o roll, como parte do procedimento, eles nos mandaram o projeto pra aprovação.

Eles mandaram, eu verifiquei, mostrei pra todo mundo e aprovamos.

Essa semana, 2 meses depois do projeto aprovado e com o roll já pronto e dentro da máquina, percebemos que as nossas embalagens não poderiam ser produzidas, pois o roll estava com as medidas erradas.

Quando minha chefe percebeu realmente o roll estava errado ela surtou, mas foi um surtar bem diferente de todos os “surtar” de chefe que eu já presenciei na vida. Ela apenas respirou fundo, soltou um “fuck” e disse: “vamos entender o que aconteceu”.

Levantei o dossiê de todos os emails enviados e “achamos” o erro. A cutterguide que eu enviei era de 317mm de largura e o projeto que eles nos mandaram – e eu aprovei – era de 300mm. 17mm que fazem TODA A DIFERENÇA na produção da embalagem.

O problema é que a) eles receberam uma cutterguide de 317mm, mas fizeram um projeto com 300m. Porque eu não sei. b) eu aprovei o projeto errado de 300mm que eles mandaram. Porque eu não sei também.

O erro foi de todo mundo: da empresa italiana que fez o projeto errado; da gente que não viu; de todo mundo copiado nos emails que sabiam a dimensão correta e aprovaram; e claro, meu.

Acho que acima de tudo foi meu, porque eu sou o designer e eu aprovei o projeto errado.

Pra produzir um roll novo nos custaria apenas 3,000 euros, sem contar que pode atrasar a produção dos produtos, que estão previstos pra março. Depois de algumas negociações, que resumiram-se à empresa italiana alegar que aprovamos o projeto de 300mm (o que é verdade) e de nós alegarmos que enviamos a cutterguide correta (o que é verdade também), foi resolvido que o nosso roll será apenas readaptado, o que custará menos.

Na quarta já tinha um italiano da empresa aqui em Sligo pra levar o roll com ele pra Itália e já botar na produção pra fazer as mudanças.

Fiquei mal e de cara fechada o dia todo no trabalho. Eu estava tão chato que o pessoal já estava me chamando de “grumpy Ricky Martin”. Minha chefe percebeu e assim que tudo passou conversou comigo na maior boa do mundo e disse: “vivendo e aprendendo, não erraremos de novo”.

Nessa hora me dei conta de algumas coisas:
a) se fosse no Brasil, eu provalvemente teria que arcar com o prejuízo da empresa. Essa possibilidade não foi nem sequer levantada aqui!
b) os irlandeses são bem menos estressados do que os brasileiros.
c) o fator ser um “ser humano” é levado em conta e ninguém é perfeito.
d) mesmo errando algo feio e bem importante, ninguém invadiu meu espaço e atacou a minha integridade.
e) talvez eu tenha tido muito azar com chefe nessa vida.
f) ou dei é muita sorte com esses chefes irlandeses.

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4 comentários sobre “O dia em que eu errei feio

  1. O meu comentário não tem nenhuma ligação com a postagem, mas eu gostaria de pedir que, se possível, você nos mantivesse informados sobre toda a repercussão (boa e ruim) da Copa por aí. Obrigado! 🙂

  2. Que bacana! 🙂

    Ela provavelmente tem maturidade para avaliar que erros acontecem e que talentos não podem ser massacrados por algo de ruim que acontece vez ou outra.
    É bom conhecer essa diferença cultural no ambiente corporativo. Ótimo texto.
    E ponto para os “Irish”. rs

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