A Cura Gay

As manifestações no Brasil tomaram uma proporção gigante e se tornaram a principal pauta da internet – e fora dela – nos últimos dias. Estou bem longe do Brasil nesse momento, então fica difícil dar a minha opinião sobre algo que eu não estou vivendo na pele, que não estou sentindo nas ruas e principalmente, não estou participando. Estou aqui, de longe, apoiando, me emocionando, compartilhando, fazendo a minha parte, mas não estou participando. Não estou dando a cara pra bater.

Mas essa semana aconteceu algo que afetou diretamente a mim e eu gostaria de falar sobre.

O deputado e presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marco Feliciano, consegui aprovar essa semana o projeto de lei que viabiliza a Cura Gay. O projeto quer fazer com que deixe de ser proibido o auxílio psicológico para pessoas que queiram deixar de lado a sua orientação homossexual. Hoje, no Brasil, assim como em vários lugares do mundo, é proibido o auxílio psicológico com a finalidade de “mudar” a sexualidade de uma pessoa.

É proibido porque orientação sexual não é doença pra precisar de tratamento ou de reversão. A ONU não reconhece homossexualidade como doença desde 1973 e a Conselho Federal de Psicologia estabeleceu em 1999 que a homossexualidade não caracteriza nenhum tipo de desvio. Ou seja, não existe cura para algo que não é doença.

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Dai você pode vir e dizer: “mas o projeto é válido, porque se alguém está infeliz com sua sexualidade e gostaria de mudar, ele deve poder pedir ajuda e isso não pode ser proibido, como é hoje“.

Sim, entendo seu ponto de vista, querido heterossexual-que-não-sabe-o-que-está-falando. Tenho certeza absoluta, de que, essa pessoa infeliz com sua sexualidade à qual você se refere, é alguém que é ou foi bombardeado com conceitos religiosos (seja qual for a religião) e machistas da sociedade hipócrita em que vivemos. Essa pessoa não teria esse sentimento caso esses conceitos não fossem enfiados na cabeça dela.

Caso esses conceitos não fossem pregados desde que o tataravô do meu bisavô estava no saco do trisavô dele.

Assim como os negros não seriam escravos se os europeus não os tivessem escravizado. Assim como as mulheres teriam hoje DE FATO direitos iguais aos homens se não tivessem sido tratadas como inferiores desde os tempos mais remotos da civilização humana.

Questões culturais. Medo do diferente. Jogo War da vida real. Única e exclusivamente.

Mas vamos voltar ao que interessa, a cura gay.

Não sei se você sabe, mas eu sou gay. Também já fui religioso. Bastante religioso, um pouquinho obcecado, eu diria. E não sei se você sabe também, mas eu já fui atrás da cura gay. Antes do Feliciano ser eleito e antes dessa pauta deixar de dizer respeito apenas aos psicólogos e se tornar federal.

Um dia, eu cheguei no consultório de um terapeuta e disse: “eu acho que eu sou gay. Me sinto diferente de todos os outros garotos e as vezes (pra não ficar feio e dizer “o tempo todo”) eu me sinto atraído por eles. O problema é que eu não quero ser gay. Isso vai contra tudo que eu sou, que eu acredito e principalmente, que eu prego”.

Nesse dia, começou a minha caminhada pela tal cura gay. Foram 1 ano e alguns meses de terapia. No começo toda semana, depois de 2 em 2 semanas e no fim, uma vez por mês.

Meu terapeuta, em momento nenhum disse que ia me mudar. Ele disse que iria me ajudar. Eu que entendi que ele ia me ajudar a virar hétero (tipo “mande sms para 24069 e receba dicas diárias de como conquistar aquele gatinha e se tornar hétero), enquanto na verdade, ele apenas me mostrou o caminho pra começar a gostar de ser quem eu era. A começar a me amar de verdade, a ser protagonista da minha própria história.

Foi um período muito difícil e só eu sei o que eu passei. Ainda mais porque eu não dividia com ninguém a minha terapia. Era eu e eu. Nem a minha mãe sabia o que eu ia fazer na terapia. Os amigos chegados sabiam que eu fazia terapia, mas pra cada um eu inventava um porque. Tudo pra manter bem afastado o monstro “gay” que habitava em mim.

Meu terapeuta que, olha só, era cristão, mas era sensato, apenas me ajudou a entender que o maior monstro era eu quem alimentava. Que antes de ser gay, eu era filho, aluno, amigo, tio, primo, funcionário, inteligente, esforçado, lindo e humilde.

Foi na terapia que eu entendi que a culpa da fome na África não é minha. Que o fato de eu ser gay não iria fazer a minha mãe deixar de me amar, meus amigos deixaram de ser meus amigos ou que por isso Deus/Alá/O-Olho-Que-Tudo-Vê/O-Garra ou qualquer nome que você queira dar, iria me queimar no inferno. A culpa é da sociedade que não me aceita só porque eu não sigo os padrões estabelecidos POR ELA. É dos religiosos que impõe a sua vontade e a sua maneira de ver o mundo. Dos machistas que acham que o mundo gira em torno da piroca deles. Dos políticos que governam por interesses pessoais e dos seus.

Não minha.

Eu não tenho culpa de ser eu.
E eu não deveria me culpar por ser eu.
Por que eu nasci assim.

No fim, ele me curou. Me curou da ignorância. Me curou do preconceito que – graças a esses conceitos religiosos e machistas – eu nutria sobre a minha própria pessoa.

Não acredito que esse projeto de lei vá pra frente, porque o Brasil acordou. Mas, caso ele vá, caso o Marco Feliciano e companhia vençam, deixem que esses gays infelizes com sua sexualidade – como eu fui um dia – procurem ajuda. Trilhando o caminho de si mesmo, eles vão encontrar as próprias respostas.

Pode ter certeza, poucos gays infelizes fazem terapia e quem sabe com esse “nova lei”, eles passem a procurar o consultório mais próximo? Eles vão descobrir sozinhos que NENHUM terapeuta no mundo pode os curar, porque eles não estão doentes.

No fim, o Feliciano vai tirar mais gente do armário do que mandar de volta.

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6 comentários sobre “A Cura Gay

  1. Gosto muito do seu blog e leio sempre que posso…
    Este texto ficou fantástico.
    Num próximo comentário te digo como cheguei aqui e como Bauru é uma cidade pequena, rs

  2. Adorei seu texto cheio de sensibilidade, meu querido! Que bom que você teve a oportunidade de conseguir se soltar dessas amarras da sociedade para ser feliz e eu também acho que esse projeto idiota não vai pra frente. Adorei a frase final do texto! rs
    Beijo grande

  3. Ri e chorei com este post, Rick.
    E não entendo porque o Feliciano se importa tanto com o cu alheio.
    Ai, sociedade hipócrita, machista e quadrada!

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